No centro do meu metacaderno existe uma foto da minha máquina de costura, alguns botões e agulhas em biscuit, e tb representações de novelos e linhas na primeira página.
Como escritora, sempre achei o ofício das letras semelhante ao ofício das linhas – um dos melhores contos que escrevi baseava-se inclusive nessa premissa.
Essa simbologia está ali para me lembrar e honrar as Norns em tudo que eu fizer, principalmente para escrever boas histórias (incluindo a da minha vida).
Você já ouviu falar nelas? Seus nomes são Urd “O que era uma vez”, Verdandi “O que está acontecendo” e Skuld “O que será”, as três Norns são deusas do destino na mitologia nórdica. Diz-se que uma tece, a outra trama e terceira corta o fio da vida de uma pessoa. Nos países ibéricos são conhecidas também como As Tecelãs ou As 3 Fiandeiras.
Eu não vejo muita diferença entre uma máquina de costurar e uma de escrever; em ambas temos uma escolha: criamos aquilo que move nossa alma ou trabalhamos mecanicamente apenas para cumprir com a necessidade de produção.
Quando tinha 17 anos eu trabalhei por três meses em uma oficina pilotando uma máquina de overlock. Eu queria viajar e comprar um Walkman, mas cada dia ali me fez questionar a escolha de mães, chefes de família que trabalhavam nisso por anos. A escritora em mim observou a alma delas, seus motivos pessoais, e enquanto as horas passavam e elas cantavam, eu fantasiava quantos pontos seria preciso cerzir para criar uma realidade menos escravizante? Elas não poderiam deixar aquele serviço como eu após apenas três meses, mesmo que quisessem. A fome dos filhos não deixaria.
A máquina de costura está ali me lembrando de duas coisas: escrever da trabalho, tanto quanto qualquer trabalho braçal: não há nenhum glamour. Ela me lembra também da função social da escrita, pois eu quero que as letras que eu fiar e as histórias que eu vier a tecer, ajudem a tramar uma nova realidade para todos que buscam ‘acertar as costuras’ alinhando os vieses das suas vidas.